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O QUE É ALUNO?

Diogo C. Nunes*


Diz-se que “aluno”, palavra derivada do latim “alumnus” (no plural, “alumni”), significa “sem luz”, pois o prefixo “a” seria negação de lumen, “luz”. Etimologicamente, trata-se de um equívoco. “Aluno” deriva do verbo “alére”, cujo significado remete ao crescimento e à nutrição. Alumnus, aluno, em seu sentido primitivo, por assim dizer, remete à noção de discípulo, de pupilo, e mesmo à de criança dada a alguém para ser alimentada. Em suma, etimologicamente, aluno é aquele que está em processo de crescimento, alimentando-se, sob cuidado de outrem.


Podemos, todavia, confrontar aquele equívoco, não pela etimologia, mas pelo próprio uso. Seria sem luz, imagina-se, ou porque “ainda não” tem luz, ou porque simplesmene se pretende, assim, demarcar distinção em relação ao professor, aquele que supostamente “tem” luz. De um jeito ou de outro, é posto o alumnus num lugar de inferioridade em relação ao que é iluminado (ou ao professor, bastião da luz, ou ao próprio saber).


Se, ao resgatarmos seu sentido etimológico, aluno é aquele que está se nutrindo sob tutela de alguém, caberia questionar: de que se alimenta o alumnus? Se respondermos “de saber” (ou, como muitos ainda dizem, da “luz do saber”), então acabaremos fazendo coro àquele equívoco primeiro, ainda mais se tivermos em vista que seja alimentado, justamente, por um tutor (novamente, o iluminado). A aposta kantiana no Esclarecimento quer nos levar para uma direção contrária. O Esclarecimento, disse Kant, é a saída da tutela, é a coragem e a ousadia de ser livre, fazendo uso do próprio entendimento. O problema, e devemos sabê-lo ao menos desde Adorno e Horkheimer, é que a “luz da razão” não somente pode nos

cegar como nos tem cegado. Completamente “iluminada”, eles disseram, a Terra recaiu na barbárie.


Talvez fosse o caso de mergulhar no equívoco etimológico para tirar dele algum conteúdo de verdade.

Façamos de conta que o prefixo “a” se refira a lumen, luz, mas observemos que o “a”, em português, porta uma curiosa ambivalência, pois que sob influência tanto do latim quanto do grego: pode tanto implicar em negação, em a-fastamento, quanto, ao contrário, em a-proximação. Deste nosso exercício poderíamos entrever um outro significado: a-lumen como uma aproximação ambivalente em relação à luz, como um “estar à sombra”, buscando certo equilíbrio entre razão e emoção, entre racionalidade e afetividade. Não se trataria mais de coragem, ou de ousadia, simplesmente, tampouco de um elogio ao

irracionalismo, mas da busca atenta e autocrítica por um meio-termo que reconheceria a sua própria ambivalência, e, mais, as contradições da razão. Não poderíamos de modo algum afirmar que fosse tal o “verdadeiro significado” de “aluno”. Mas podemos dizer, contudo, que a própria negativa a algum (a qualquer que seja) “verdadeiro significado” marque bem essa posição de uma aproximação ambivalente.


Eis o desafio de uma racionalidade que intente reconhecer, em si mesma, suas contradições: se a-proximar da verdade sem se deixar fascinar por qualquer dogmatismo. Alumni, pois: não aqueles que se nutrem sob tutela de outrem, não os que fetichizam o conhecimento como verdade absoluta, mas os que se engajam no saber compreendendo que verdadeiro é o próprio processo, devir, sem chegada garantida.


 

*Diogo C. Nunes é historiador, mestre e doutor em Psicologia Social. Professor do curso de Psicologia da UNIABEU Centro Universitário e assessor pedagógico da ENSP/Fiocruz.

 

Texto originalmente publicado como editorial do n. 9 da Revista Alumni.

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