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O drama da solução mágica


Pedro Claudio Cunca Bocayúva*



O problema da mentira vai além do mentiroso, por força dos que desejam ou fingem acreditar nela. O drama da solução mágica que move a falsa consciência da servidão voluntária é que alimenta a máquina da destruição. Ser vencedor pela falsificação uma vez não é o problema, o drama é que a ignorância vicia e pelo ódio se alimenta. A força das falsas ilusões cresce na medida em que tudo piora e o medo de perder uma migalha se alimenta da raiva contra os que nada tem e livra a cara dos que tomam as terras pela grilagem, ganham como gestores do desespero pelos jogos de azar, não pagam ou sonegam impostos e gozam com punir os pobres e culpar os escravos de ontem e de hoje.


O drama é que ao destruírem a crítica política, ao fortalecerem a desigualdade, o preconceito e a segregação, fazem com que a guerra que inventaram se torne real. Mas, num mundo sem revolução, a contrarrevolução é substituída pela anomia, pela crueldade, pelo medo, que geram a barbárie e ampliam os efeitos da modernidade líquida e da vida nua. Tudo isto faz parte de uma forma social que designamos genericamente por fascismo e que acompanha o horror do capitaloceno. As tecnologias de guerra, espetáculo e consumo fazem do homem sem qualidades o chefe da horda.


O narcisismo das pequenas causas acompanha o ciclo curto e a ignorância de quem vive entre a corda bamba do endividamento e o desespero com a queda, acreditando piamente que o outro é que vai cair, como se a sua família pudesse ser salva pelo pagamento do dízimo e do voto de cabresto, ou pela emulação de um espertalhão que enriqueceu. Enquanto isso, a bala come e vai ter gente que acredita que o melhor é não ter escola pública, saúde pública e, no meio do apagão, ao ficar sem luz, que insiste no erro de defender o direito de matar, repetindo mais do mesmo na guerra do Brasil. Mas ignorante é sempre o outro, pois a luz é sempre suposta como sendo a do crente que pensa poder se abrigar no templo. O "complexo de Israel" é mais uma figura do delírio miliciano-bolsonarista que aposta na dívida, no pix e no X, esquecendo do elementar que é a defesa da saúde e do bem estar coletivos.


O negacionismo é apenas mais uma parte do mesmo movimento de destruição de direitos que acompanha o aquecimento global e a "sindemia". Enquanto isso, a bala come na cidade e estamos condenados a mais uma cartada das ilusões que governam os afetos tristes de quem insiste em não ver os efeitos e os processos que levam a Gaza, expressão do fracasso que repete as intenções do crime do terror, do Estado e de outras formas na sociedade. O efeito da cultura e da economia da guerra é destruir em toda a parte os pactos e direitos mínimos, e o mesmo vale para as condições materiais e subjetivas para a paz.


A arquitetura da destruição acaba sendo da combinação da sedução da barbárie com o genocídio que resulta da multiplicação das guerras. As máquinas cibernéticas e os agenciamentos realizados com enunciados de falsidade só prosperam, como um tipo de espetáculo perverso, ali onde o medo e a desonestidade insistem em aprofundar a desigualdade da mesma forma que fazem arder a natureza saqueada, e apagam as luzes das cidades no meio de traumas continuados que colocam em evidência o cenário de catástrofe.


*Pedro Claudio Cunca Bocayúva é professor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ.

 
 
 

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