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CÍRCULO DE GIZ               REVISTA MULTIDISCIPLINAR DE ARTES E HUMANIDADES              ISSN 2696-9020 / 2446-757X  (IMPRESSA)

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 Círculo de Giz N.5 

"O destino do ar é tornar-se fogo"

O dito oracular do filósofo ganhou, em nosso tempo, o caráter de uma perversa profecia. O Λόγος, fogo sempre vivo, consumiu-se a si mesmo, realizando sua obra. O carvão, o petróleo, as florestas, as geleiras, o ar, o corpo humano. Imortal somente pode ser a própria morte.
O sobrevivente – escritor sem leitor ou poeta sem povo, como disse Agamben – não pode gozar nem do cinismo nem do desespero. Se não desespera, igualmente sabe que o momento de “despertar a existência histórica” está perdido. Encarna a brutalidade e a crueza da vida em sua nudez, em seu sonambulismo ardente. 
Mas ao sobrevivente é dada a oportunidade de se apossar do que resta. Apossar-se do resto é apossar-se da própria oportunidade, do seu momento, inapropriável e incomunicável. Tomar lugar no que não há de lhe ser próprio nem comunicável é sua tarefa, e ela prefigura a sorte de todos os falantes sobre um planeta que queima. Por isso ele sobre-vive. Fala sobre a língua numa língua na qual já não há habitantes.

Será essa a tarefa de uma re-vista. Re-vistar, olhar novamente, com os olhos logrados pelas chamas, o mundo em sua própria condição de resto, condição que agora lhe é própria. Re-ver o deserto cinza, desde o lugar da sobrevivência, não para dizer o que na língua existe, mas para inventar um olhar para o qual (ainda ou já) não há língua.
 

Sumário

Teoria & Crítica

Obsolescência e subjetividade & Passagem ao in-possível

Alexandre M. T. de Carvalho

Neste artigo o autor discute o conceito de obsolescência programada produzida pelo capitalismo, que se refere à prática de planejar o fim precoce de mercadorias para garantir o consumo contínuo. Assim como os produtos são projetados para se tornarem obsoletos rapidamente, a força de trabalho também é tratada de forma descartável para incrementar a produção de mais-valor e gerir o ciclo econômico. Essa dinâmica está na base de uma produção de subjetividade marcada pela necropolítica, em que o capital e o descartável moldam as relações sociais de produção. O artigo trata, por fim, da urgência de se pensar e agir em direção ao in-possível, a uma outra forma de viver e lidar com o tempo e com o mundo.

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A voz do morto como um "eco" no presente: história, psicanálise, teoria crítica - esboços para uma investigação

Diogo Cesar Nunes

Neste texto, buscamos uma leitura das teses Sobre o conceito de história, de Walter Benjamin, a partir da indicação de que o passado “assombra” o presente como um fantasma que, sem voz própria, fala, na sua mudez, através “das vozes que escutamos”. No propósito de organizar um plano de investigação sobre possíveis aproximações entre a teoria da história e a teoria psicanalítica, os fragmentos deste texto apostam, ainda, em uma orientação de leitura baseada na teoria crítica da sociedade, particularmente quanto ao lugar e à importância da negatividade para uma compreensão do tempo histórico que não perca de vista a urgência de uma crítica do presente.

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Psicologia das massas e a política do ressentimento

Alberto Gomes de Freitas Filho

Este breve ensaio se propõe a uma reflexão sobre alguns sintomas psicossociais comuns em momentos de crise, principalmente no âmbito político e econômico. A partir das contribuições seminais de Freud em Psicologia das massas e análise do eu, bem como da reapropriação deste por autores contemporâneos, faço um comentário sobre elementos comuns ao funcionamento psíquico reacionário e conservador – e por vezes delirante – característico da massa, traçando um paralelo entre diferentes momentos de crise em contextos distintos da sociedade. A partir dessa abordagem, é possível colocar lado a lado eventos aparentemente desconectados, como o cenário político brasileiro entre os anos de 2018 e 2022, e um movimento antiprogressista conhecido como Gamergate, associado ao nicho dos videogames e que é comumente ligado à ascensão da alt-right norte-americana. Assim, a análise aqui proposta indica a atualidade e importância do texto freudiano para a compreensão das renovadas formas que a dinâmica social assume.
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Saúde, vigilância e controle social na favela: reflexões a partir de dois casos no Estado do Rio de Janeiro

Laura Asbeg

O presente artigo busca refletir, a partir de dois projetos executados no período da pandemia de Covid-19, sobre como os conceitos de saúde ampliada e de vigilância sanitária popular têm sido integrados na ação concreta dos movimentos sociais e organizações de base territorial em favelas. Busca, também, evidenciar a função da rede sócio-técnica para o controle social e a institucionalização do apoio a estes territórios e projetos, pela via da mobilização democrática e produtiva em torno dos temas da educação, comunicação e informação em saúde e meio ambiente. Nesse sentido, destaca a dimensão da co-produção de conhecimento na construção destas redes e no enfrentamento aos contextos extremos de saúde causados pela ação humana sobre o meio natural, sublinhando a necessidade de reagregar o saber local às soluções para os problemas socioambientais, de modo a influenciar sobre as decisões em políticas públicas.

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As faces da medicalização em saúde mental: autonomia ou controle?

Edna Linhares Garcia; Jodéli Fabiana Dreissig; Letiane de Souza Machado; Leonardo Freese Côrtes Austria; Carolina da Silva Pedroso; Cristiane Muller
Esse estudo objetiva discutir a medicalização a partir da análise dos sentidos produzidos nos discursos de pacientes internados em unidades hospitalares de saúde mental. Pesquisa exploratória, descritiva, com abordagem qualitativa. Foram incluídos 25 pacientes internados na unidade de saúde mental de três hospitais pertencentes à 8ª Coordenadoria Regional de Saúde do Rio Grande do Sul, com idades entre 18 e 60 anos. Observou-se que os sintomas dos transtornos mentais levam à interdição do sujeito, limitando sua autonomia e seu convívio social. As narrativas demonstram que a vontade de ser aceito, reconhecido como sujeito e reinserido socialmente, motiva a adesão, aceitação ou submissão aos psicofármacos. Assim, a utilização dos psicofármacos é nutrida na justificativa de controlar os comportamentos considerados socialmente inadequados. Contudo, a prescrição desconsidera a singularidade do sujeito, que não parece implicado ou sendo protagonista ao longo desse processo. Na verdade, assiste-se a uma suplantação do desejo de ser aceito e reinserido na sociedade.

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O meme do Pica-pau descendo as Cataratas do Niágara em um barril: compulsão à repetição, realização de desejo e queda dos ideais

Humberto Moacir de Oliveira; Camila Rodrigues Silva Mendonça
Os chamados memes de internet vêm se apresentando como uma constante forma de expressão na contemporaneidade, participando de debates sociais sobre política, cultura, esporte e até mesmo na transmissão da psicanálise. Entender o funcionamento dessa linguagem através do estudo de alguns exemplares, elucidando tanto seu poder de riso quanto seu poder de alcance, pode nos ajudar a compreender melhor a linguagem contemporânea. O presente trabalho serve-se da teoria de Freud sobre os chistes para analisar o efeito cômico do meme retirado do episódio Niagara Fools do desenho Woody Woodpecker (Pica-Pau) em que uma personagem desce as Cataratas do Niágara em um barril. A hipótese construída foi a de que este meme retira sua força da compulsão à repetição, da realização de um desejo inconsciente e da queda dos ideais.
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Os Situacionistas e o ato analítico: uma possível articulação?

Danielle Curi

Neste texto curto, pretendo desenvolver aproximações possíveis entre a criação de situações propostas pela Internacional Situacionista, sobretudo no início da formação do grupo, e o ato analítico, como teorizado por Lacan em seu seminário “O ato psicanalítico”. Vale ressaltar, que Lacan ministrou tal seminário no ano letivo de 1967/1968, época marcada pelas questões políticas do momento na França, as quais resultaram na interrupção de suas aulas devido à greve geral dos estudantes e dos trabalhadores. 

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Sobre des-realização e cor em alguns trabalhos de Antonio Berni

Adalgiso Júnior "Coruja"

Antonio Berni, pintor argentino consagrado, foi mais conhecido por suas obras que remontam ao Nuevo Realismo dos anos 30 - com emblemáticos trabalhos como “Manifestação” - e, especialmente, pelas séries de pinturas e gravações que convocam genealogias de modernidades precarizadas, nas personagens de Juanito Laguna e Ramona Montiel. Em 2016, todavia, uma série de desenhos e aquarelas encontrados em uma coleção anônima de Buenos Aires trouxe, entre outras, obras que chamam a atenção por uma frontalidade política mais acentuada. Nas diversas cenas derivadas de fatos históricos dos anos 1950-70, coloca-se uma questão de cores e de sobrevivências de gestos em meio a levantes mundo afora, bem como resistências locais a autoritarismos e ditaduras. Em jogo, uma possibilidade de percepções e reflexões críticas sobre a violência, caracterizada por uma dimensão cromática que nos parece dialogar com o conceito de des-realização em Paul Virilio.

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Artes & Linguagens

Carta para Mazzilli: uma conversa psicanalítica sobe arte contemporânea

Nayara Oliveira e Marcelo de Magalhães Cunha

Trata-se, neste ensaio, de uma carta fictícia ao artista visual Domingos Mazzilli. Através desta licença poética, o texto dialoga de forma íntima com o artista e algumas de suas obras, traçando antes comentários sobre a também artista Lygia Clark, numa tentativa de interação com a psicanálise. Alguns conceitos lacanianos, principalmente, e freudianos foram utilizados como suporte para análise destes artistas e obras, contextualizando os na arte contemporânea, quando é trazida a psicanalista e professora de arte Tânia Rivera e demais referências. Mais autores de outras áreas também serviram como referência para a transversalidade entre arte contemporânea e psicanálise, como o poeta Antônio Jardim, José Carlos Pinheiro Prioste, professor de teoria da literatura e o filósofo italiano Giorgio Agamben. 

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A morte é di mentira: Louise Bourgeois não morreu! Palavras em performance: ação em três atos

Elisabeth Bittencourt

Rio, 31 de maio de 2010. Leio na Internet que Louise Bourgeois havia morrido... Não acredito (mesmo!) que tenha acontecido... Para mim é da ordem do real...

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Do tiro ao açoite, qual o meu lugar?

Pedro Henrique Nunes

O início do espetáculo ocorre do lado de fora da Escola de Teatro da UNIRIO, situada na Urca. O espaço: o corredor de entrada relativamente largo, que de um lado tem a biblioteca com o muro grafitado, uma arte urbana...

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"Toda arte é política": entrevista com Raimundo Rodriguez

Adalgiso Júnior "Coruja" e Diogo C. Nunes

Raimundo Rodriguez, artista cearense radicado em Nova Iguaçu, é, sem sombra de dúvidas, um dos mais atuantes nomes no cenário artístico fluminense dos últimos quarenta anos.

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Recuerdos de mis manos

Jorge Cardozo

Nunca soube o que fazer com as mãos. Por isso fumava durante o dia. À noite cruzava-as sobre o peito. Dormia feito um morto. As longas pernas esticadas. A barriga pouco proeminente, apesar da idade, subia e descia, conforme praticava a respiração abdominal, à qual se acostumara desde os tempos de ioga...

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5 poemas

Ana Paula Perisé

sonho de alice; nefelibata; poça; exílio; Jorge foi ali e deixou a espada comigo.

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Notas & Resenhas

Amor e arrebatamento na trilogia de Lol V Stein

Juliana Tassara Berni

A escrita de Marguerite Duras é arrebatadora. Não é possível ler Duras sem ser arrebatado por ela. Acabamos por nos envolver na narrativa e tornamo-nos presas de um texto voraz que, ao ser devorado, nos devora também. 

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O século XXI na encruzilhada: rascunho sobre a crise societária global

Pedro Cláudio Cunca Bocayuva 

O futuro histórico está bloqueado. As máscaras caíram há muito tempo, por isso é imoral assistir ao debate trágico do direito e das proporções da vingança. O grau de destruição não é uma medida do direito penal, é barbárie colonial e seus efeitos. 

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Da energia ao gozo: ensaio sobre a articulação entre marxismo e psicanálise

Teodoro Lecman

O gatilho para este texto foi um comentário de um grupo de usuários de eletricidade diante do repentino corte de energia em Buenos Aires, um dia antes das eleições de 2023, em um prédio populoso no tradicional bairro de Boedo. 

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Revista Círculo de Giz, n. 5, 2024.
 

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