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Síndrome de impostor e delinquência acadêmica: sobre a servidão voluntária na universidade


Leomir Cardoso Hilário*



Um espectro ronda a formação universitária no século XXI, seu nome é “síndrome de impostor”, cujo sintoma central é o medo de ser desmascarado, de que os outros descubram a farsa que se é. No entanto, a presença desse sofrimento indica, paradoxalmente, que não se é um impostor, mas expressa a luta contra uma verdade possível: a de ser um impostor.


Tal síndrome esconde uma outra tendência – e não espectro –, a que podemos chamar de “estelionato intelectual”. O estelionatário intelectual passa incólume à síndrome do impostor, pois, apesar de sua latente mediocridade, ele está certo que faz um bom trabalho. Ele é o herdeiro de anos de hegemonia da delinquência acadêmica e o produto jovem do velho delinquente acadêmico.


A delinquência acadêmica é o processo por meio do qual o saber se põe a serviço do poder. Ela transforma os meios em fins, ou seja, o que deveria servir para a crítica e emancipação termina por servir à conservação e a uma carreira profissional. A formação almejada é a de servos submissos e dependentes a saberes, um “tecnicismo feliz e obediente”. Não se questiona jamais sobre as finalidades sociais do conhecimento produzido, isso a define, como ensinou M. Tragtenberg.


O estelionatário intelectual é o jovem aprendiz da universidade hegemonizada pelo delinquente acadêmico. Aprendeu com esse último como dançar conforme a música burocratizada do produtivismo acadêmico: “dois pra lá” da fala empostada com citações de encontros obtidos com figuras públicas relevantes e “dois pra cá” de uma suposta proficiência numa língua distante, tudo isso com a espontaneidade da servidão voluntária de um “babaovismo” que envergonharia até mesmo aqueles que carregaram pastas de professores em pós-doutorados mundo afora.


O estelionatário intelectual aposta que é possível enganar todos por muito tempo. Essa aposta é tão sincera que o blinda subjetivamente do sofrimento do impostor. Quem sofre de síndrome de impostor é, mas não parece ser. Desmonta diante de qualquer investida mais dura, fica nervoso, treme, chora. O estelionatário intelectual, ao contrário, parece ser mas não é, e diante de qualquer investida mais dura sempre tem uma desculpa, sempre terceiriza um defeito, tem uma astúcia em sair por cima.


Assim como o delinquente acadêmico, o estelionatário intelectual está vencendo e tudo indica que o futuro será seu. Os antecessores foram Alan Sokal, Jean Bricmont e Elisabeth Teissier. Como ensinou Thomas Mann, o impostor – nesse caso não aquele que sofre da síndrome – não obedece a nenhuma lei, subverte a ordem estabelecida, mas sem nada propor para melhorar as situações de opressão. Ao contrário daquele que sofre a "síndrome de impostor", cuja dor é permanecer sendo quem se é, o estelionatário intelectual conquista aquilo que quer alterando a própria personalidade a depender de cada situação.


O estelionatário intelectual é a verdade de uma universidade que abandonou a vontade de fazer justiça ao seu próprio conceito.

 

*Leomir Cardoso Hilário é psicólogo, doutor em Psicologia Social (UERJ) e professor efetivo do Departamento de Psicologiada Universidade Federal do Sergipe (UFS).

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