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Diante da barbárie

Pedro Claudio Cunca Bocayuva*


Na fúria e no ódio fascista, a falsa consciência e a razão cínica revelam a sua face bestial, da pulsão de destruição que move o capitalismo mundializado como colonialidade do poder.


O impulso neoliberal libera a violência sem velamento do racismo e do colonialismo. O capitalismo nas suas crises perde o véu da razão liberal e se mostra por toda parte através das garras da vontade de matar.


A falsidade interna cai com a explosão do abuso externo, que agora se lança de fora para dentro, sem fronteiras que separem o dentro e o fora do espaço liso da dominação.


A horda bárbara se lança no seu delírio de destruição. A lógica da guerra (in)civil) se torna a forma de expressão desta naturalização, da fórmula da violência extrema enquanto política da inimizade.


As lições que Mbembe tira da "farmácia de Fanon" permitem compreender porque o racismo opera e, até mesmo, comanda esta relação em que a crueldade se banaliza entre as segregações e a desigualdade.


A violência com as máquinas de destruição se faz sistema com o capitalismo mundial integrado. Na síntese precisa de Mbembe, se afirma o conceito de necropolítica, que acompanha as várias formas que assumem o imperialismo como neocolonialismo e dependência.


A força cega e bruta ganha o lugar da farsa da civilidade na expressão da desmedida, da acumulação ilimitada que perdeu sua relação com a utilidade e a necessidade. Um capitalismo neoliberal, isto é, sem medida de valor, até mesmo na fórmula do mais-valor. A acumulação global une os rivais na pulsão destrutiva que afeta a biosfera e libera os mais diversos vírus.


A destruição do laço social, o inverso da hegemonia, tem a fúria como uma epidemia subjetiva. Para superar o quadro das potências mórbidas, precisamos muito mais do que vacinas ou de distanciamento social.


O que fazer para construir o laço social da política por uma nova ecologia social, mental e ambiental? Hoje o tema do novo metabolismo social na relação com uma ecosofia bebe na sabedoria da clínica do trauma. A política da confiança dependerá de um novo modo de saber/poder, numa espécie de nova utopia, de um conceito de dignidade que supere a dor e realize o luto.


Como barrar a catástrofe e ler com precisão o que se passa? A cartografia deste processo, na via da construção de uma nova subjetividade corporificada em bloco, ou numa aliança, deve partir de onde os sintomas da catástrofe se abrem para a dimensão de uma espécie de clínica do horror, de uma política que tem que voltar para o terreno da palavra, para a escrita de uma nova hegemonia. Compreender a virulência, entender este colapso do Ocidente Capitalista sem ilusão nas formas dos regimes totalitários.


O temor dos fascistas em relação a Gramsci e Paulo Freire parece ter relação com a liberdade que nasce da autonomia das pessoas e dos coletivos, que impede que a tirania prospere quando sua liturgia diabólica desmorona. O problema é se vamos esperar o novo cenário de ruínas chegar ao paroxismo, ou mesmo insistir em reerguer as falsas máscaras da pseudo tolerância, quando tudo já indica que desta vez não existe ponto de retorno diante da barbárie.

 

* Pedro Claudio Cunca Bocayuva é professor do Mestrado do Programa de Pós-graduação de Políticas Públicas em Direitos Humanos do NEPP-DH da UFRJ. Coordenador do Laboratório do Direito Humano à Cidade e Território.

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