Marcelo Fonseca*
O primeiro elemento com o qual a crítica deve se confrontar em sua prática é a ideologia. Isto deve-se ao fato de que esta tende a se apropriar de toda produção espiritual e, desse modo, procura estabelecer as linhas da recepção.
A crítica constitui-se sobre três cadeias básicas de reflexão que se articulam no discurso crítico, a saber: o conhecimento da arte a partir das obras de arte; a política de instauração desta categoria de objetos (obras de arte) no âmbito da cultura; e a elaboração de seu próprio olhar – da crítica – como obra, que, enquanto tal, tende a engendrar os mesmos tipos de encadeamentos reflexivos que as obras de arte. Como toda produção do espírito, a obra crítica, uma vez absorvida pelas instituições culturais, tende a ser apropriada pela ideologia e posta a serviço dos interesses vigentes na cultura e na sociedade. Quando a crítica é objeto de tal absorção, torna-se ela mesma objeto de crítica, nos mesmos termos que a arte e todos os outros itens que compõem o patrimônio cultural. É exatamente esta a posição da crítica no momento atual. “Sentada no banco dos réus”, a crítica tem sido posta em questão a partir de sua função social mais comumente designada nos últimos duzentos anos: a identificação das obras de arte como tal para um público que, em princípio ávido por tais produtos, não possui recursos próprios para sua identificação e valoração. Nesse sentido, a crítica situa-se como mediadora entre a arte e seu público, e a referida atribuição continua encabeçando o estatuto da crítica na cultura presente. Isto tem hoje uma efetividade bastante específica. Um traço distintivo frequentemente apontado na cultura atual, a despeito das bases epistemológicas e dos interesses dos discursos que o fazem, refere-se ao papel privilegiado da mídia como mediadora da recepção massiva. Tendenciosamente ou não, os diferentes discursos que abordam o tema atribuem-lhe maior ou menor grau de importância. A mídia (aqui entendida como instância nuclear da indústria cultural) é a porta-voz do capitalismo e enquanto tal é a responsável absoluta pela mediação receptiva, chegando mesmo a deter o poder de estabelecer o estatuto daquilo que merece ser chamado de “existente” na cena cultural que se veio configurando no último século. A partir de sua posição hegemônica frente aos “patrocinadores” da cena cultural contemporânea, a mídia tende a absorver, no mínimo a pressionar, todo discurso ou instituição que pretenda ou que possa, direta ou indiretamente, cumprir essa função mediadora. Destes últimos, aparecem como exemplares três casos: a escola, a crítica e a arte. Vale a pena sublinhar que os três casos são enquadrados pela “lente” da mídia basicamente como um misto de informação e entretenimento, ambos os aspectos comparecendo em todos os casos em diferentes proporções. Para a mídia, informação e entretenimento são as duas faces do que se pode generalizar sob a chancela de uma pedagogia massiva. Em sua “formação” do público, o primeiro problema que a mídia enfrenta é o de ser ela mesma consumida como mercadoria. Disto ela procura dar conta exatamente pelo entrelaçamento de informação e entretenimento, configurando-se assim sob a luz de um binômio que sustenta e valora toda mercadoria, conforme seus subjetivos graus, respectivamente: o “necessário” e o “prazer”. Estes dois conteúdos básicos dos produtos da indústria cultural são transferidos para a mercadoria em geral através de práticas “artísticas” como, por exemplo, o desenho industrial, assim como através da atmosfera de “sonho” que a publicidade cria como ambiente para a mercadoria figurar. Assim, a mídia determina a via por onde o consumo converte-se em lazer. É nesta base que a mídia se coloca à disposição dos interesses do mercado de bens e serviços. A mesma estratégia rege a inserção das ideias e a política na mídia, sendo que, neste caso, a crítica e a escola são requisitadas para opinar. Em princípio, é em função de sua constituição como mercadoria que a mídia recruta os artistas, transformando-os na maioria dos casos em “profissionais que produzem o estético”. Na perspectiva do consumo, o estético é tomado no sentido mais estreito como aquilo que gera prazer aos sentidos, o que em geral assume as formas da “alegria” – um misto de riso e euforia – e do “conforto” – combinação de praticidade, eficiência e conforto propriamente dito. A lógica que se ergue é a da histeria: simulação de saber do desejo do outro. Mas se o saber é aí simulado histericamente, não é só com a estetização do discurso que tal simulação se faz verossímil. É preciso que se fale a respeito, que se produza um discurso que legitime tal simulacro ao mesmo tempo em que se possa oferecê-lo como um “serviço útil”. É então que o crítico e o especialista são recrutados ao lado dos artistas. A partir da entrada em cena dessas personagens, o estético reencontra sua “irmã siamesa”: a linguagem, colocando novamente em pauta o problema da significação.
* Marcelo Fonseca é artista visual, mestre em Letras e doutor em Artes (EBA-UFRJ). Professor da Faculdades Integradas Helio Alonso (FACHA).
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