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A VIDA NO PARAÍSO

Wallace da Costa Brito*


“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”.

Vinícius de Moraes, trecho da canção “samba da benção”.

O objetivo desta resenha é promover uma brevíssima reflexão sobre questões existenciais suscitadas pela obra cinematográfica sueca A vida no paraíso (2004). Este filme tem não só a força de nos envolver, ele também nos comove. Seu enredo provoca surpresa e contentamento, levando-nos a cogitar sobre o quão importante é dispor da vida como um bem, como algo de inexprimível valor.


Seu protagonista, o renomado músico alemão, Daniel Daréus (Michael Nyqvist), enfrenta grave problema de saúde após incontáveis compromissos de trabalho e uma fase de forte tensão. Com isso, resolve dar novo rumo à sua vida, retirando-se das intensas atividades profissionais e retornando à pequena localidade interiorana onde passou sua infância. Lugar do qual guardara pujantes recordações. Parece, assim, buscar de algum modo viver de forma diferente, indo ao encontro do seu passado no presente.


Apesar do seu desejo inicial de isolamento, posteriormente, passa a interagir com os moradores da localidade, o que aguça seu processo próprio de mudança. Ao mesmo tempo, passa a exercer influência sobre aqueles com os quais passa a conviver. E, de forma ampliada, também mexe com a rotina da comunidade local, que tem problemas explícitos e ocultos. De certo modo, passa a ocorrer uma reviravolta consigo e com tantos outros. Através da convivência embalada pela arte musical, a confiança e a amizade são construídas a duras penas.


Com o retorno do músico à sua comunidade de origem, eis que o dia a dia local se torna gradativamente insólito. Como nos diz o poeta, os encontros fizeram da vida do personagem principal e de vários outros uma arte. Arte esta que, exercitada ao longo dos dias, propiciou que a vida fosse percebida e sucedida de forma distinta daquela até então exibida como habitual. Isto trouxe à tona afetos, pensamentos, desabafos e provocou reviravoltas.


O filme nos leva por isso a refletir sobre a necessidade de promover mudanças acerca dos rumos que tanto voluntária quanto involuntariamente acabamos por impelir à vida, isto é, à maneira como dispomos do tempo. Sendo assim, podemos repensar e reconstruir nossas buscas e crenças para tecer diferentemente o cotidiano e cultivar a chance de extrair efeitos para o agora e para o porvir.


Desse modo, possibilita-nos indagar as nossas atitudes; as posições que assumimos; como enfim tecemos nossas trajetórias e, por consequência, o presente e o futuro – de certa forma como resultado do que agora fazemos ou deixamos de fazer.


Estas questões podem gerar certo nível de angústia tal como ocorre no filme. E esta é relevante, pois como defende o existencialismo, ao invés de lançar mão de subterfúgios para escapar deste afeto, é preciso, ao contrário, habitá-lo. Aliás, os teóricos existencialistas afirmam ser possível por meio da desconcertante experiência chamada angústia, mover-nos em direção a uma vida autêntica e implicada, sem fugir dos embates que tantas vezes ocorrem e infligem uma tomada de posição. Embates que exigem a capacidade de exercitar o pensamento e a constante busca por si mesmo sem, entretanto, jamais chegar à conclusão de que se tenha encontrado em definitivo.


A angústia, segundo Kierkeegard (2011), é uma qualidade do espírito que, ao sonhar, torna-se pertencente ao campo da psicologia. A angústia pode nos conduzir a pensar e repensar, a sentir e perguntar: afinal, quem sou, o que desejo e o que busco? Mas não é fácil lidar com a angústia e atravessá-la. Com ela e por ela, pois, saibamos que a vida é marcada pelo devir, mostrando-se como fluxo constante no qual o que seremos amanhã até certo ponto depende do que realizamos no agora.


Importa, por isso, valorizar tão relevante questão e galgar, dia após dia, maior liberdade e impulso para a vida. Nisto vale a pena apostar e engajar-se. É este, portanto, um desafio com o qual, diuturnamente, confrontamo-nos, assim como se deu com o protagonista e com outros personagens da bela obra cinematográfica aqui brevemente comentada. Afinal, como escreve Kierkegaard (2011), compreendemos a vida ao olhar para trás, isto é, para o passado, mas só podemos vivê-la ao lançarmos o olhar para frente, quer dizer, para o presente e o futuro.

 

Referências:

A VIDA no paraíso. Direção: Kay Pollak. Elenco: Axelle Axell, Barbro Kollberg, Frida Hallgren, Ingela Olsson, Lennart Jähkel, Michael Nyqvist, Niklas Falk, Per Morberg, Ulla-Britt Norrman-Olsson, Verena Buratti, Ylva Lööf. Roteiro: Kay Pollak, Anders Nyberg, Ola Olsson, Carin Pollak, Margaretha Pollak. Fotografia: Harald Gunnar Paalgard. Trilha Sonora: Stefan Nilsson. Suécia, c 2004. 1 DVD (132 min), widescreen, color. Produzido por Filmpool Nord, GF Studios, K. Pollak Film.

KIERKEGAARD, Soren. O conceito de angústia: uma simples reflexão psicológico-demonstrativa direcionada ao problema dogmático do pecado hereditário. Petrópolis: Vozes, 2011.

 

*Wallace da Costa Brito é psicólogo, mestre em Psicologia (UFRRJ) e professor da UNIGRANRIO.


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