top of page

O falo e a fala


Alexandre Magno Teixeira de Carvalho*



Aquele falo inflável verde e amarelo na Pau-lista é a própria imagem do mal-estar na contemporaneidade. É a imagem limite do machismo, do racismo e do fascismo. É a imagem limite do patriarcado - e desmorona, esvazia, revela o que nada dentro tinha. O momento sublime é a sua brochada.


Em tempos de inflação do falo, resistência de gênero, para além de qualquer binarismo, é, mais (+) do que nunca, imprescindível. Uma palavra sempre é feminina, mesmo a palavra ‘masculino’. Transa-se sempre do feminino. “Palavra de homem” é uma expressão que força a barra (tour de force). A palavra é de mulher e, quando sai, bonita, da boca de um homem, tenha certeza: foi um feminino que falou.


A fala não é o falo. O homem inventou o falo para disputar a fala. A fala, a língua, a linguagem, é tudo coisa de mulher. A fala é coisa de Eva, de Lilith. Adão era mudo (até aí vou bem com Saramago em Caim).


O homem escreve porque sente perder a fala, a fala lhe escapa; e quando a fala lhe escapa, ele brande o falo (o papiro é um falo, todo códice é um falo, a pena é um falo, a caneta é um falo, mas não falam, falham). Essa perda (esse “braço sem corpo a brandir um gládio”, como no verso de Pessoa) é irremediável, caros senhores resolutamente machos - a não ser que transitem a condição feminina... e a palavra.


Ainda mais na lógica do capital, o falo quer falar e gozar – mas falha. O falo quer falar, mas falta (faz falta). O fala-ser falta-a-ser. Em língua portuguesa, a palavra ‘fala’ evidencia a falha e a falta: uma letra (sinal gráfico de fonemas, elemento atômico do arranjo significante) sempre está faltante. Está lá, lugar do Inconsciente, mas falta. A falta e a falha excedem o falo e a fala.

O falo pira quando falha

O falo pira quando fala

Quando o falo falha, fala

No princípio era a fala

Não era o Verbo

Deus, onisciente, sabia disso...

Criou o falo e...

Desandou a maionese

O falo não sabia falar

O Verbo levou tempo

Muito tempo

Para nascer

A fala falava e encantava

O falo

O falo queria falar

Mas só conseguiu o verbo

Porque tudo que fala no falo

É fala não é falo

E o falo só fala quando falha


 

* Alexandre Magno Teixeira de Carvalho é psicólogo, poeta e psicanalista. Professor associado da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO/ DSC).

ESCRITOS
bottom of page