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Milton presente, hoje e sempre



Lúcia Ozório*



O que é uma presença?


Há uma importância nos acontecimentos serem datados. Como trazer para a história o esplendor de um acontecimento?


No dia 24 de janeiro de 2023 aconteceu uma homenagem ao dr. Milton Ozório Moraes, no seminário "HANSENÍASE NO BRASIL: DA EVIDÊNCIA À PRÁTICA", organizado pelo Ministério da Saúde do Brasil.

Agradeço ao dr. Milton Ozório Moraes, biólogo, professor, cientista e um dos maiores estudiosos sobre a hanseníase no Brasil e no mundo, de cuja obra tenho um orgulho imenso como sua Mãe e como brasileira, cidadã do mundo, reconhecedora dos inestimáveis benefícios que têm trazido para a humanidade.


A iniciativa do Ministério da Saúde, neste seminário, de uma homenagem ao dr. Milton Ozório Moraes merece ser louvada. É um cuidado com os traços da saúde pública no Brasil, com o nosso SUS, potencializando no presente suas obras, generosas, a serviço do mundo.

Esta homenagem contou com a minha presença. Imagino meu filho com seu sorriso lindo, com o afeto e humildade que lhe eram peculiares, recebendo esta homenagem.



Senti ao receber neste dia a premiação dada ao meu filho, sua alegria ao saber que este Ministério da Saúde que lhe presta esta homenagem, conta, a partir de 01/01/2023, com a Dra. Nísia Trindade, com quem trabalhou tanto tempo na FIOCRUZ. Imagino sua emoção ao ter certeza que conseguimos restaurar a democracia no nosso país com a posse do presidente Lula em 1º de janeiro de 2023. Aliás, outro acontecimento, com um dos atos mais inesquecíveis de uma posse à Presidência da República, com representantes do povo juntos com o presidente Luís Inácio Lula da Silva, quando Aline Sousa, catadora, terceira geração que desempenha esta função, passa a faixa para Lula.


Não acredito em ausência. Toda vida, vivida, clama. Resiste. Toda vida traça. Marca sua presença.

O traço.... estamos no campo da memória... estamos com o passado e o presente trabalhando, engendrando tessituras inimagináveis. Engendrando devires. O traço tem a parte da história – o passado – mas tem o vir a ser, a parte do atual – do presente.


Eu diria que estamos em tempos devoradores, capitalistas, em que tudo se liquefaz. São tempos que devoram os traços.


Nós, brasileiros, precisamos urgentemente cuidar dos nossos traços, das nossas obras.

Os traços do SUS e seus personagens precisam ter visibilidade. Não apenas a história da saúde está em questão, mas o seu vir a ser.


No ano de 2021 Milton recebe o Troféu Bacurau, por seus importantes trabalhos como estudioso da fisiopatologia da hanseníase. Neste dia, ele afirma sua alegria ao ver, como diz, os frutos da ciência chegar a quem dela precisa, auxiliando no controle da doença, fazendo com que se tenha a diminuição do estigma que esta doença carrega. Também em 2021 foi agraciado com o Prêmio Bacurau concedido pelo Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (MOHAN).

Falando em traços, em 2013 o Presidente Lula recebeu o troféu Bacurau, pelo apoio que deu ao enfrentamento à hanseníase, doença, sabemos, que acomete as pessoas que sofrem na carne as desigualdades sociais.


Acompanhando, ou muitas vezes tendo notícias da trajetória do meu filho, vejo a força subversiva da potência utópica das suas ideias e práticas. Como dizia Oswald de Andrade, as utopias são sempre sinal de uma inconformação, mas prenúncio de uma revolta.

Suas lutas têm sonho, mas protestos, que apostam numa saúde como direito de todos e dever do Estado. São muitas as lutas que abre para um vir a ser do SUS no tratamento da hanseníase. A sua querida FIOCRUZ, sua querida UFRJ, sua querida UERJ, e tantas outras instituições no mundo, onde esteve, certamente estão plenas de seus traços.


Tenho consciência de que vivo uma via da luta ancestral, que é trágica, como toda luta ancestral, mas de certo modo invertida. Em vez de ser o filho que luta para manter seus pais/ancestrais vivos, é uma mãe que luta pela ancestralidade de seu filho.


Como lhes disse, não acredito em ausência. Acredito em presença. Aposto nos traços. Este tem sido meu trabalho ao longo da vida, como psicóloga, psicanalista, professora, mulher, mãe e avó. Agora a vida me empurrou nesta via da contra-mão ancestral.


O poeta senegalês, Mbougar Sarr, cujos ancestrais enfrentaram a dor e a luta que todo desterro implica, também aposta nos traços. Ele segue os traços de seus ancestrais, pois, como diz, a verdadeira presença insiste depois de toda partida. A verdadeira presença pode ser invisível, mas podemos segui-la. Através de seus inúmeros traços. Como diz, talvez a verdadeira presença dos seres e das coisas comece com o seu desaparecimento.


 

*Lúcia Maria Ozório Barroso é psicóloga, psicanalista, professora, mulher, mãe e avó.



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