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Poemas, contos e outras magias

O BICHO

Amanheci desacordado
Os dilemas, os trabalhos assalariados
As drogas, seus olhos, o estranhamento, as palavras, os livros, os vícios, e o narcotráfico
Mas o bicho, o bicho não procura esse tipo de coisa
O bicho só se preocupa em desaparecer
O bicho não sente
O bicho engole todo aquele que mora dentro da própria cabeça
A lua se movimenta, tingindo os polos e as cidades
Mas o bicho se finge de morto
Então hoje eu amanheci desacordado
Me sinto uma objetividade fantasmagórica
Sem futuro, sem história
Deve ser por isso que demoro sempre a adormecer
Deve ser por isso que sempre perco a memória
A escuridão agora me parece sinfonia
Colo o ouvido ao teu estômago e ouço
Meu Deus, algo me acontece
Pois não ouço nada
É o bicho
Ouço os automóveis e as metralhadoras
Mas não ouço minha própria voz
Eu não falo minha própria voz
Fui transformado em imagem
Em coisa, em bicho
Eu não ouço
Nada parece estar realmente lá
Eu não uivo
Eu fumo e me afogo
Engulo o meu pânico
Engulo à mim mesmo
Eu me torno meu próprio alimento
E o bicho, o bicho é fabricado em comidas e venenos
Em propagandas e em vitrines
O bicho me tranforma em ar, em vapor
É a minha duplicação, é a minha repetição, é o meu eco que me ordena à adormecer
Acorde
A luz está muito fraca, não se pode mais distinguir a minha face da face do bicho
A lua está muito fraca para ter certeza do que vi
O bicho, o parto
Olho para o espelho
E por um momento percebo que o meu reflexo não olha para mim
Eu não olho para o meu reflexo
Por um momento nós dois olhamos para o bicho
Mas o bicho, desfigurado, não olha para nós.

João Victor Arruda

Publicado em jan/23.

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