top of page

WALTER BENJAMIN: TRADUÇÃO, CRÍTICA E ANACRONISMO

Marcelo Fonseca*


Tradução, em Benjamin, é uma tarefa em certa medida fadada ao fracasso. Ela só é bem sucedida em sua tarefa na medida em que seja capaz de provocar interesse por uma obra de arte (literária) em um local de língua diferente da língua traduzida. O resultado da tradução (a obra traduzida), porém, necessariamente fracassa em sua tarefa, na medida em que deixa escapar o original naquilo em que ele consiste na língua traduzida; daí não existir a tradução perfeita, não existir a última tradução. Sempre haverá espaço para uma nova tradução. Mas isso não precisa ser dito, como até aqui foi feito, de uma perspectiva espacial: a penetração de uma obra literária em um território de língua diferente da língua em que foi escrita. Pois o fracasso da tradução, esse fracasso que justifica e dá vez a novas traduções, introduz um problema de tempo: as sucessivas e diferentes traduções, elas remetem à obra, mas como não chegam a contê-la, acabam por remeter umas às outras. O mais importante nisso é que as traduções, ao menos em determinados lugares e tempos, sempre funcionarão como extensões da obra. Extensões na medida em que não sendo a obra, é nelas que certo número de leitores terá contato com a obra, de tal maneira que a tradução se converte, em um espaço e tempo determinados, uma extensão da obra. Neste ponto podemos avançar e afirmar que a tradução no seu acercar-se da obra original o faz a partir da atualidade da língua tradutora. Isso não significa exatamente que a tradução atualize a obra. O que ela faz é propiciar o retorno do “agora” (para falar em termos benjaminianos) que marca a entrada da obra na ordem do ser; mas a tradução também afirma, no cumprimento da sua tarefa, o “agora” de sua própria origem. Esse breve e, talvez, “criativo” itinerário sobre a teoria da tradução de Walter Benjamin acolhe em seu cerne uma questão (talvez a questão) da filosofia da linguagem de Benjamin. Qual é o efetivo horizonte da tradução? A pergunta cabe, pois parece haver um objeto que é visado pela tradução e que resta faltoso na obra traduzida, falta que indica o fracasso mesmo da tradução. Esse objeto faltoso é, paradoxalmente, o que marca a própria possibilidade da tradução e cuja exibição de sua falta Benjamin parece requisitar do que se poderia qualificar como a boa tradução. Esse objeto faltoso da tradução é, para Walter Benjamin, a língua por excelência, anterior à Babel, a língua falada por Adão.


Abtei im Eichwald, óleo sobre tela de Caspar David Friedrich.


APÊNDICE

Benjamin (BENJAMIN, Walter. A tarefa do tradutor. In: _____. Escritos sobre mito e linguagem. São Paulo: Duas Cidades; Ed. 34, 2011, p. 101-119.) concebe a língua/linguagem em geral como um medium. Essa língua/linguagem que constitui o medium consiste na língua original anterior à Babel, de tal maneira que as línguas contemporâneas são “partes” da língua original e são, nesse sentido, complementares umas às outras em relação à língua primeira. Cada língua contém o germe da língua original, mas é incompleta, inacabada, em relação a ela. Daí que a tradução, para Benjamin, na medida mesma em que uma língua/linguagem é um momento no medium que é a língua original, não pode implicar a transposição do sentido pura e simplesmente por analogias sintáticas, uma vez que tais analogias implicariam a concepção das línguas como equivalentes, desconsiderando completamente a sua identidade própria enquanto momento no medium da língua original. E tal identidade reside exatamente nas formas das línguas/linguagens (há, portanto, um privilégio do significante na concepção de Benjamin) e seu ideal de tradução é uma tradução termo a termo, que mantenha a estranheza sintática da língua traduzida na língua tradutora. Sobre as teorias da linguagem e da tradução em Benjamin, cf. SELIGMANN-SILVA, Márcio. Double bind: Walter Benjamin, a tradução como modelo de criação absoluta e como crítica. In: ______ (org.). Leituras de Walter Benjamin. São Paulo: Annablume, 2007. (p. 17-49).


 

*Marcelo Fonseca é artista visual, mestre em Letras e doutor em Artes (EBA-UFRJ). Professor da FACHA - Faculdades Integradas Helio Alonso.


コメント


コメント機能がオフになっています。
ESCRITOS
bottom of page