Diogo C. Nunes*
Aurora musis amica est.
Provérbio latino.
Dir-se-ia que a esperança seria um afeto paralisante. Que é tempo de agir e que há urgência. Que o otimismo, traço essencial daquele afeto, estaria, no mínimo, desencontrado da gravidade que configura o tempo presente. Contudo, se Ernst Bloch havia nos dito que “o que importa é aprender a esperar” [1] é porque não há espontaneidade na esperança e porque o esperar como resignação, que não esconde sua faceta ideológica mal disfarçada de bondade, denuncia, pois, que não sabemos esperar.
O tempo da pausa – que não sabemos apreender – talvez corresponda, ao menos analogicamente, ao silêncio, à voz, ou ao canto, do silêncio. Porque afeto e verbo – ou sentir, agir e dizer – se implicam e se dependem, e isso Aristóteles e os estoicos já bem sabiam. Se digo “esperançar” no lugar de “esperar” não somente desvio-me da missão de aprender a esperar como enxerto naquela pausa uma ação e um sentido. Um tempo que se esvazie de sentido parece insuportável ao senso de urgência contemporâneo. E o mesmo se poderia dizer quanto ao som: se há em toda voz que escutamos um silêncio insistente, aquele senso que impele à ação e ao enxerto de sentido recusa o aprendizado que nos pode dar a voz calada.
A música da manhã e a música do amanhã têm em comum o anúncio da primavera, aurora pendente no bico dos pássaros da comunidade que vem. Aprender a esperar e aprender a ouvir aquela música se correspondem, porque o que sopram em nossos ouvidos as Musas não é nada além de silêncio cantado.
Música, a arte das Musas, tem seu lugar no Museu. Daí que “despertar no passado as centelhas da esperança” seria o “privilégio” daqueles que assumiram a tarefa de aprender a esperar, de ouvir o que é sem som, mergulho em seus abismos muitos [2]. É deste gesto, e não da recusa do que, inelutável, insiste em ser pausa, interrupção e silêncio, que o presente poderá se abrir. Aprender a esperar: pois todo amanhecer é prólogo do livro porvir, como todo escurecer acende pirilampos e todo escrito é apenas rascunho de uma obra que, insistentemente inacabada, não cessa de ser escrita [3].
Texto adaptado do editorial do No. 2 da Revista Círculo de Giz.
[1] Ernst Bloch, Princípio Esperança, vol. 1, 2005, p. 13.
[2] "Em cada época, é preciso arrancar a tradição ao conformismo, que quer apoderar-se dela. Pois o Messias não vem apenas como salvador; ele vem também como o vencedor do Anticristo. O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão em segurança se o inimigo vencer. E esse inimigo não tem cessado de vencer". Walter Benjamin, Sobre o conceito de História, tese No. 6.
[3] “[...] toda obra escrita pode ser considerada como o prólogo [...] de uma obra jamais escrita”. Giorgio Agamben, Infância e história, 2005, p. 9.
* Diogo C. Nunes é historiador, mestre e doutor em Psicologia Social. Professor do curso de Psicologia da UNIABEU Centro Universitário e assessor pedagógico da ENSP/Fiocruz.
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